Críticas

Senhora dos Afogados

Matéria de 22/06/1954


Só agora, sábado último, devido a uns tantos desentendimentos que tivemos com a direção da Companhia Dramática Nacional, (tudo acabou bem, como sempre acontece entre pessoas educadas) assistimos "Senhora dos Afogados", mais uma discutida peça do Sr. Nelson Rodrigues, no Teatro Ginástico, onde a C. D. N. realiza uma temporada de emergência, até que tenha a sua disposição um teatro em Salvador, capital da Bahia.

 

Em nossa edição de anteontem, publicamos uma destrambelhada declaração do Sr. Nelson Rodrigues, segundo a qual, no seu entender, quem não gostar de suas peças é cretino seja de que sexo for. Não nos incluímos nesse rol, primeiro porque, em que pesem algumas restrições, não desgostamos totalmente de "Senhora dos Afogados", e porque, se repudiássemos integralmente o seu trabalho, diríamos com a maior franqueza, devolvendo-lhe intacto em seu juízo a respeito dos que não suportam o seu teatro.

 

Acontece, entretanto, que não vimos em "Senhora dos Afogados", motivo para tanta celeuma, até porque, toda a gente já sabe que o teatro do Sr. Nelson Rodrigues, em maior ou menor dose, é assim mesmo. Não vamos chamá-lo de gênio, como os seus entusiastas mais exaltados, mas também, não o vamos classificar de tarado, como os seus mais ferrenhos inimigos. Preferimos ficar numa posição intermediária, reconhecendo no Sr. Nelson Rodrigues o direito de escrever o seu teatro, já que ele não compreende teatro sem incestos, sem mortes, sem coisas horripilantes. Quem vai ao teatro para assistir a uma peça sua já deve ir de espírito prevenido, porque não encontrará outros motivos senão os de seu agrado. Gosta-se ou não se gosta, mas não faz atitude de surpresa, nem de gestos ensaiados de um puritanismo ridículo, muito menos se vaia um escritor quando apresenta, realmente, uma obra de arte, até porque a arte não está limitada, apenas, ao que constitui o lado bom da vida.

 

Temos que essas discussões intermináveis sobre o Sr. Nelson Rodrigues e seu teatro, colocando-o entre a genialidade e a tara, são resultantes do Sr. Nelson exagerar nos temas. Os mesmos conflitos que existem em suas peças há em muitas outras, até do teatro considerado clássico, apenas com a diferença de que nessas outras, há o lado bom da vida, em luta com que o autor apresenta de horripilante, resultando aquele vencer a esse. No teatro do Sr. Nelson Rodrigues não se observa essa luta, porque tudo está condicionado ao que há de ruim. Dessa atitude corajosa, o Sr. Nelson sofre ou goza as conseqüências, conforme exemplificaremos na crônica seguinte.

 



Contato
nelsonrodrigues.com.br.
Mail : contato@nelsonrodrigues.com.br
SIGA-NOS
Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.