Um conto breve esticado além da conta
Certas obras nascem para serem curtas, pois
é precisamente a limitada extensão que lhes confere grandeza artística. Por
exemplo: se Thomas Mann tivesse escrito sua "Morte em Veneza" com as
dimensões de "A Montanha Mágica", muito provavelmente o resultado
seria apenas um enfadonho romance sobre a decadência de um artista, e não
aquela obra prima literária. Independente do maior ou menor mérito da obra, tal
constatação diz respeito à própria estrutura da narrativa de ficção - sendo
aplicável, assim, à produção de escritores os mais diversos. Na sua forma
original, "A Dama do Lotação" de Nelson Rodrigues é um miniconto cuja
leitura não toma mais de 5 minutos. É o que basta. Em tão breve tempo, Nelson
Rodrigues diz tudo o que tem a dizer sobre o tema. Sucinta, plena de tensão
dramática e humor macabro, a narrativa aguça a imaginação do leitor. Transposta
para a tela como um longa-metragem de quase duas horas, "A Dama do
Lotação" perdeu quase todas as virtudes originais, ganhando, muito pouco
em troca. Tudo o que antes permanecia no plano da sugestão surge agora grifado
e sublinhado de modo irritante, numa enxurrada de efeitos óbvios. Sobram cenas
de sexo, é verdade, mas tantas e tão insistentes que parecem recolhidas dos
devaneios de algum adolescente reprimido. Nelas, o importante está na
quantidade e não na qualidade da experiência. Resultado: mal começa o segundo
adultério de Solange (Sônia Braga), a dama do lotação do título - e na história
ocorrem pelo menos mais cinco -, o espectador já sabe tudo o que vai acontecer
no resto do filme. Pior: como vai acontecer. Como recompensa pelos cansativos
exercícios eróticos que executa diante das câmeras com variados parceiros,
desde o atlético Nuno Leal Maia (seu marido) ao adiposo Washington Fernandes
(com quem se entrelaça num cemitério), não há dúvida de que Sônia Braga
mereceria um prêmio. Categoria desinibição, bem entendido. Quanto ao resto,
consegue apenas deixar saudades de sua ótima Dona Flor.