Nelson Rodrigues mal captado
Matéria de 23/04/1980
Depois do sucesso de "A Dama do
Lotação", era natural que Neville D`Almeida procurasse outra história de
Nelson Rodrigues para filmar. O problema é que quase toda sua obra já foi
adaptada para o cinema (estão partindo inclusive para as filmagens com
"Bonitinha, mas Ordinária" e "O Beijo no Asfalto"). Por
isso, chegou-se à raspa do tacho. "Os Sete gatinhos" não é dos
melhores textos daquele que se pode apresentar sem medo como o maior dramaturgo
do Brasil.
Enquanto "Dama do Lotação" ainda
funcionava num nível de erotismo a "La Emanuelle", o novo filme de
Neville é um desastre total. O erro básico é principalmente uma questão de tom.
Apesar de seu diálogo brilhante, Nelson não é realista, seus personagens são
arquétipos, maiores que a vida, figuras empostadas de um universo trágico muito
particular do autor. Quem compreendeu muito bem isso foi Arnaldo Jabor nas sua
melhores fitas baseadas em sua obra: "Toda Nudez Será Castigada" e
principalmente "O Casamento".
Mas Neville reduz tudo à simples comédia de
costumes, partindo para um realismo crítico que não funciona nunca. Ele não
soube captar aquilo que no próprio "press-release", Nelson chama de
"absurda família de classe média". Ficou apenas na superfície, no
folclore, no histerismo.
Não partiu nem mesmo para o erotismo. Se o
espectador for esperando senas de sexo, vai se desapontar. O filme é
anti-erótico. Rodado em grande parte num cenário fechado, acabou virando
teatro-filmado. Isso não seria tão grave se os atores tivessem sido mais bem
dirigidos. Mas praticamente todos estão completamente desorientados. Lima
Duarte repete mais uma vez o tipo mineiro que consagrou na televisão quando a
personagem exigia alguém da estatura pantagruélica de um Fregolente. Cristina
Aché passa metade do filme escondendo sua gravidez real. Antônio Fagundes tem
pouco a fazer e não acrescenta nada ao seu prestígio. Um tipo interessante com
Sura Berditchevsky é pouco mais que pano de fundo. Só mesmo Thelma Retos (como
a mãe da família) impressiona pela coragem.
Na verdade, "Os 7 Gatinhos" não
estaria tendo esta produção toda, se não fosse a atitude impensada de um
secretário de turismo gaúcho que, durante o Festival de Gramado, saiu no meio
da sessão acusando a fita de imoral e escandalosa. Com essas declarações, ele
acabou tornando-se o maior publicista do filme. Foi um caso típico de se fazer
a coisa certa pelos motivos errados. Não duvido que muita gente vá fazer como
ele, sair do cinema no meio da projeção. Não porque o filme seja imoral,
simplesmente porque "Os Sete gatinhos" é muito ruim.