Vendaval Mórbido
Matéria de 28/01/1976
Para Arnaldo Jabor, a alienação da pequena
burguesia das grandes cidades é "uma calamidade pública". Por achar
também, que dá "metáfora nasce a violência libertadora", seu filme
começa com as imagens de uma catástrofe: as enchentes que assolaram o Rio em
1966. Não se trata, na verdade, de uma metáfora sutil. Nem da única. Sabino
(Paulo Porto), por exemplo, um pequeno barão da indústria imobiliária, tem a
consciência tão inflamada de culpa que até sonha estar morrendo como um de seus
pedreiros cercado de estidulosas britadeiras. Quando, enjoado de si mesmo, se
olho no espelho, o allegretto da sétima sinfonia, de Beethoven, inunda a trilha
sonora. O que, seguramente, significa menos uma homenagem ao Jacques Demy de
"Lola, a Flor Proibida", do que uma espécie de metáfora musical,
perto que, desde Schumann, não são raros os que interpretaram o segundo
movimento daquela peça de Beethoven com uma cerimônia nupcial - ainda que de
simplório aldeões. Em "Toda Nudez Será Castigada", Jabor, para
refinar seu melodrama, socorreu-se do aristocrático tango de Astor Piazzolla.
Desta vez, além de Beethoven, recorreu a Mahler e Mendelssohn. O próprio
cineasta, aliás, advertiu. "O que importa é o clima geral que atravessa o
filme." Clímax - Em "O Casamento", este clima é o de um
cataclismo, no qual parecem ou padecem incestuosos, morféticos, adúlteros,
suicidas, insanos e homossexuais. Se reduzida à metade tanta abjeção e
despojadas de florilégios visuais algumas seqüências, talvez a pudesse até
qualificar o filme de naturalista. O que seria uma deslealdade com o espírito
de romance, que se mostra antes uma excreção do inconsciente do autor do que
uma genial crítica da burguesia do Brasil contemporâneo. Nelson Rodrigues nunca
foi um sociólogo das letras e sim um operístico antologista de personagens
mórbidas e situações torpes - com uma aguda audição para frases de extasiante
efeito coloquial e uma obsessiva tendência à repetição. Se já era tenso como
livro, mais crispado ficou "O Casamento" em sua versão
cinematográfica. O cineasta explica: "O que pretendia era, através de uma
concentração violenta de clímax, num limite quase intolerável, construir uma
metáfora tempestuosa de vendaval que vai levando a vida". Ao exagerar o
exagero, Jabor conseguiu ao menos o que faltara à sua obra anterior: assumir e
por a nu as virtudes e as limitações de Nelson Rodrigues, como metereologista
social e como dramaturgo. Com a ajuda de uma empenhada equipe técnica, na qual
se destacam o fotógrafo Dib Lufti e o ator e produtor Paulo Porto, com o seu
olhar mais triste do que o de um cavalo de aluguel.