Críticas

Um encanto de viúva

Matéria de 14/05/1987


O maior autor nacional, um grupo jovem esbanjando talento e criatividade. É o mínimo que se pode dizer de Viúva, porém Honesta, a deliciosíssima montagem que o grupo tapa está apresentando no Teatro da Aliança Francesa (Rua general Jardim, 182). A peça não é das melhores de Nélson Rodrigues. Escrita em 1957, era mais um desabafo contra seus adversários e contra a crítica, que torceram o nariz para algumas de suas obras, principalmente a fracassada Perdoa-me por me Traíres. O próprio Nelson Rodrigues com sua cruel auto-crítica, a apelidou de “uma farsa irresponsável” e de “comédia de costumes perversa”. Ou, como a define um de seus personagens, o hilariante Diabo da Fonseca, uma peça para mostrar que tudo é falso: a família, a psicanálise, o jornalismo, o patriotismo e os pudores.

 

Anárquica, irreverente, debochada, Viúva, porém Honesta, pode não ter a marca do G6enio de Nelson Rodrigues, mas é bastante atual. E possui os traços pertinentes de sua obra: a denúncia da hipocrisia, das taras camufladas sobre o falso moralismo e da degradação moral das pessoas que se escondem por de trás das fachadas do sacrossanto lar ou da austeridade do poder.

 

E tomem porrete as instituições.

 

O grupo Tapa entendeu o espírito da coisa. Fez uma montagem belíssima. (e, paradoxalmente, bastante simples), extremamente fiel ao autor e com muito talento e criatividade.  Uma cena antológica: a discussão familiar sobre a suposta gravidez de Ivonete, quando duas personagens  substituem as amarelecidas fotografias do clássico quadro da família.

 

Uma direção segura de Eduardo Tolentino de Araújo, belos cenários de Ricardo Ferreira e perfeitos figurinos de Lola Tolentino – tudo na montagem está em seu devido lugar, sem xaropadas, sem vanguardismos, sem afetação.

 

No palco não há grandes estrelas, mas grandes talentos. Clarice Derzié, como a viúva Ivonete, dá um show de interpretação, principalmente no papel de menina emburrada. Versátil e bonita (e que sublime bumbum, meu Deus!). Maria Emília Rey também está perfeita como a vulgar madame cricri. No papel do Diabo da Fonseca, Cláudio Gaya está hilariante e rouba os melhores momentos da peça. Edson Fieschi, a louquérima Doroty Dalton, também cria momentos engraçadíssimos. Outros destaques: Ernani Moraes, o corrupto e poderoso J.B. de Albuquerque Guimarães.

 

Teatro é magia, é encantamento, é reflexão, é diversão. E o grupo Tapa dá tudo isso. Gostei e vou rever a peça, para me desintoxicar das bobagens que ultimamente tenho sido obrigado a ver.

 



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.