Críticas

Um anjo Negro limpo e frio

Matéria de 22/06/1990


A opção da encenadora Vivien Lando abafou a exarcebação e minimizou o potencial explosivo do texto original de Nelson Rodrigues

 

Num casa fechada, cercada de muros de pedra, a branca Virgínia, casada com o negro Ismael, vive aprisionada, sufocada. Em oito anos de união, o casal teve três filhos, todos assassinados pela mãe, que se recusa a ter descendência negra. Virgínia entrega-se a Elias, meio irmão branco e cego de Ismael. O adultério resulta em fratricídio e no nascimento da branca Ana Maria, que é cegada pelo padrasto na infância. Sartreamente, o desenlace trágico condena Virgínia e Ismael a seu inferno privado.

 

Esse é o "Anjo Negro", de Nelson Rodrigues, que chega a São Paulo somente 44 anos depois de ter sido escrito. O texto trata de racismo. Mas não através de seres humanos comuns. Emprega arquétipos que remetem a símbolos universais de dominação e dor. A recusa de Ismael em aceitar sua cor forma a raiz do drama, que tem ecos da tragédia grega e do teatro expressionista. Nelson Rodrigues não questiona ou absolve o racismo. Levanta seu espantalho e coloca-o sob luz crua, num texto de dimensões grandiosas, muito ao estilo de "Álbum de Família".

 

"Anjo Negro" chega finalmente a São Paulo devido à paixão da encenadora Vivien Lando pela obra de Nelson Rodrigues. Dos três trabalhos que Vivien levou ao palco desde 87, este é seu projeto mais consistente. A direção procede a uma leitura pessoal da obra rodrigueana, elaborando uma gramática cênica coerente. No entanto, a opção de Vivien por um espetáculo limpo e frio, de elaborada gestualidade (geométrica e angulosa para os membros da família, arredondada e sinuosa para os parentes e agregados) abafa a exarcebação do original, minimiza o potencial explosivo de Nelson Rodrigues. Os figurinos de Domingos Fuschini parecem inadequados. A cenografia é neutra, asséptica.

 

No elenco, Cláudia Mello está deslocada como Virgínia. Sua força costumeira presta-se mal ao formalismo exigido pela direção. Renato Modesto, o cego Elias, abusa da autopiedade e de tons murmurantes. João Acaiabe personifica Ismael com autoridade, mas não incorpora à interpretação a gestualidade geométrica concebida por Vivien Lando. Elene Tziortis tem pequena e marcante aparição como Ana Maria. No elenco de apoio, discreto, destaca-se a atuação de Márcia Polachini como a vingativa tia da Virgínia. Apesar da frieza da encenação, que compromete o alcance dramático de "Anjo Negro", Vivien Lando desponta como diretora em amadurecimento.

 



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.