Críticas

Um "Anjo Negro" pousa na periferia de Paris

Matéria de 16/05/1996


O diretor Alain Ollivier encena a ousada peça de Nelson Rodrigues, com os atores brasileiros Lorena da Silva e Alexandre David nos papéis principais, em longa temporada na Maison de La Culture de Bobigny.

 

Paris - Depois de apresentar pela primeira vez Nelson Rodrigues ao público francês, montando a "Valsa   n° 6" em novembro, Alain Ollivier está de volta com outra peça do dramaturgo brasileiro, "Anjo Negro", um projeto bem mais ambicioso. Desta vez, Ollivier trabalha com os atores brasileiros Lorena da Silva e Alexandre David, que integram o trio de protagonistas, e faz uma longa temporada na Maison de La Culture de Bobigny, na periferia de Paris. A sala tem uma das mais sólidas programações da região parisiense.

 

Escrita em 1947,e pouco encenada no Brasil, "Anjo Negro" desmascara o preconceito racial pondo em cena um casal formado por um negro e uma branca, ambos racistas. Ismael (interpretado por Jean-Michel Martial) e Virgínia vivem uma série de conflitos provocados pelo preconceito, o que não os impede de experimentar uma fascinação recíproca em que o prazer vem sempre acompanhado da culpa. Infanticídios em série, adultério e incestos dão os contornos da questão racial no Brasil, desmontando a falácia da harmonia racial ao sul do Equador.

 

A montagem de Ollivier está centrada no jogo de pulsões proibidas dos protagonistas, que se insere dentro de uma sucessão fatalista, em que o dilaceramento interior se relaciona com uma maldição que leva ao crime - jogo que está na base da tragédia grega. Insistir no registro trágico presente no texto parece ser uma opção válida que poderia ajudar a compreensão do público francês, pois tal registro implica uma lógica conhecida desse público. Seria uma espécie de "terra firme" para o espectador francês, certamente desorientado ao se defrontar com um universo desconhecido e marcado pelo monstruoso. Curiosamente, Ollivier não leva essa intenção às últimas conseqüências, pois outros elementos da tragédia grega recebem um tratamento diferente. O coro, por exemplo, elemento formal da tragédia que comenta a ação dos protagonistas, é pouco solicitado por Ollivier. Apesar de estar em cena durante boa parte do espetáculo, o coro nunca envolve os personagens, parece reduzido às suas falas. Essas constatações podem não facilitar a aproximação entre o autor e o público francês, mas não tiram os méritos da montagem de Ollivier, um diretor identificado com a dramaturgia de Nelson Rodrigues, de quem pretende montar "O Beijo no Asfalto" e "Toda Nudez Será Castigada".

 



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.