Entrevistas

Criação de Vestido de Noiva

Matéria de 10/09/1978


Como chegou a idéia dos planos de ação diferentes?

Imaginei primeiro o sujeito na realidade, depois sonhando e delirando. Precisava então de um plano para a realidade, outro para o sonho e outro para o delírio. A idéia para a peça surgiu assim. Estava no arquivo do “Globo” e tinha lá uma fotografia de velório. Foi a partir dessa foto que comecei a imaginar a peça. Aliás, foi no velório de Madame Clessy que fiz aquilo.

Madame Clessy... Naquele tempo a Conde Lajes era o ponto alto do grãfinismo da prostituição. Madame Clessy era uma gaúcha linda. Ficava besta: “Mas como é que ela está na vida?” – perguntava a mim mesmo. Daí é que veio a minha idéia de que a prostituta é vocacional. Fiz grandes investigações nos prostíbulos e nunca encontrei uma prostituta triste, uma prostituta que não tivesse a maior, mais absoluta, a mais plena satisfação profissional. Diziam-me que trabalhar é chato.

Por isso é que digo que a prostituta é vocacional. Se não é assim, por que a menina bonita e jeitosa vai para aquela vida e fica satisfeita? Por que ela não se mata? A prostituta só se mata por dor de cotovelo, quando seu cáften arranja outra e a abandona. Só assim. Fora disso não há suicídio de prostituta. Há suicídio de mulher honestíssima, mas não de prostituta.


Hoje é reconhecido no Brasil inteiro que sua obra operou uma revolução no nosso teatro. Essa revolução foi consciente ou resultou de uma série de circunstâncias independentes de sua vontade?

Houve uma circunstância importante que foi o meu encontro com os Comediantes, que tinham Ziembisnki, um europeu que conhecia bem o teatro europeu.


Uma nova concepção de cenografia?

Uma nova concepção de cenografia eu não diria. O nosso querido Ziembisnki andou espalhando durante um certo tempo que reescrevera comigo “Vestido de Noiva”. Imaginem se não tenho trezentas testemunhas de que “Vestido de Noiva” é exatamente aquilo que escrevi. Além disso, a peça foi consagrada como texto antes do espetáculo.


É utilizado o coro na peça. Isso não teria sido sugerido pela leitura do teatro grego? Ou realmente foi pura intuição?

Foi pura intuição mesmo, se quisermos chamar isso de intuição. Aliás, confessei que só tinha lido a “Maria Cachucha” do Joracy Camargo apenas depois que estava mais consolidado como autor. Antes não confessava, porque iam dizer: “Esse cara aí só leu essa peça do Joracy Camargo e quer dizer que é autor teatral? Ou ele é um cínico ou uma besta.”


Como conseguiu vencer tantas barreiras – quebrando padrões estabelecidos e superando dificuldades cênicas – e encenar “Vestido de Noiva”?

Em primeiro lugar, havia Ziembisnki, que fez um trabalho espetacular. Foi a melhor coisa que ele fez no Brasil. Sua direção foi sensacional. Ficou possuído pela peça.


“Vestido de Noiva” estreou em pleno Estado Novo. Seu teatro inovador não teve problemas com a censura?

Não, e novamente por causa da influência de Vargas Neto, que interferiu junto ao chefe da censura de então.



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.