A Valsa n°6 de Nelson Rodrigues, em descompasso
Matéria de 19/01/1989
Apesar de bem-intencionada, a produção é
recheada de equívocos.
“Valsa nº 6” é uma pequena obra-prima de
Nelson Rodrigues. Escrito em 1951, esse monólogo coloca em cena uma série de
elementos muito freqüentes no mundo do autor. A protagonista é Sônia, garota de
15 anos que se encontra em ambiente estranho, possuída por recordações
fragmentárias. Com domínio absoluto da técnica dramática, são superadas aqui as
limitações do monólogo, gênero que impõe pesadas e artificiais convenções a
quem por ele se aventura. Nelson Rodrigues obtém influência evitando os
prolixos detalhistas de Pedro Bloch em As Mãos de Eurídice. “Valsa n° 6” é
construído com frases curtas, que não se preocupam em explicar ao espectador o
que está acontecendo. Aos poucos, na medida em que Sônia desvenda o mistério
que a cerca, o público é informado da verdade.
A peça tem parentesco muito próximo com
“Vestido de Noiva”. De certa forma, “Valsa n° 6” é uma versão de câmara do
clássico drama. Assim como Alaíde, Sônia está agonizando. Aquela foi
atropelada, esta, assassinada. A diferença básica está em que Alaíde contracena
com as personagens de seu delírio, enquanto Sônia apenas as evoca. E
materializam-se os pais repressores, a adolescente sensual, o noivo
inacessível, o velho médico lúbrico, que se descobrirá mais tarde ser o
assassino, os vizinhos boateiros e maliciosos. Enfim, mesmo no monólogo, o
universo do autor é posto no palco com a complexidade e a riqueza de observação
que se encontra em seus grandes textos, como “Boca de Ouro” ou “A Falecida”.
Depois de se apresentar em horários
alternativos em fins de 88, “Valsa n° 6” volta em cartaz. Trata-se de produção
bem intencionada mas equivocada. O cenário é feio e não propicia a sugestão de
um mundo vago e indefinido, requerida pelo autor. A direção de Luiz Amorim tem
boas soluções de marcação e segue o ritmo veloz essencial ao texto. Mas a
atitude correta do encenador defronta-se com o obstáculo intransponível de uma
atriz inadequada para o papel.
Delurdes Moraes, ex-aluna da EAD, é
competente e (embora com certo exagero) sabe criar os vários tipos evocados por
Sônia. O problema é que está longe dos 15 anos de Sônia, ninfeta parente da
Lolita de Nabokov. É a sensualidade juvenil de Sônia que precipita a tragédia.
Esse elemento primordial está de todo ausente no espetáculo. A menina
assassinada poderia representar um desafio para jovens como Flávia Monteiro.
Pela complexidade do papel e pela exigência de uma intérprete adolescente é que
a peça freqüenta tão pouco nossos repertórios. Delurdes Moraes ousou fazê-la e
falhou.