Críticas

É Nelson Rodrigues, é quase uma tragédia

Matéria de 16/01/1969


Quem é o homem de um olho só que desgraça as filhas de Noronha (Como sempre, Jofre Soares está muito bem no papel)? Talvez seja o próprio Nelson Rodrigues, o autor sw “A Última Virgem” (ex – “Sete Gatinhos”), que Jô Soares dirige no Teatro Galpão (Ruth Escobar). Nelson é aquele mesmo autor cheio de contradições, que resolveu aceitá-las para viver e escrever em paz consigo mesmo. Sua peça é sobre a honra perdida de uma família, a hipocrisia de uma família, a vontade de vingança de uma família. A acusação do autor, e sua condenação final, é da hipocrisia de um velho que procura assumir ares de patriarca, de um lado, para perdoar-se de sua falta de vergonha, de outro lado. O autor cheio de contradições se perdoa, mas não perdoa seu personagem. É que Nelson costuma confundir tabus com preconceitos, hipocrisias com exigências sociais. No fundo, ele é o homem que, por exemplo, condena a hipocrisia da falsa virgindade sem se lembrar que ela nasce apenas do preconceito da virgindade.

 

É assim sua “Última Virgem”, carioca e contraditória: Nelson consegue transmitir a beleza da virgem que se entrega por amor, mas não consegue transmitir a beleza (trágica, é certo, mas igualmente bela) da mulher que se entrega e mata, também por amor. Um moralista que se deseja moderno, um conservador que se deseja progressista, Nelson está em cada um de seus personagens, nesta peça e fora dela. É bom voltar a vê-lo no palco, apesar de tudo, pois é, sem dúvida, quem escreve teatro no Brasil com a maior dose de talento. Sem ser, entretanto, nosso melhor autor.

 

Jô Soares dirigiu a peça com o mau cenário de Wladimir Pereira Cardoso procurando tirar o máximo de um elenco escolhido na base do tipo físico e do tipo de interpretação. Poucos atores conseguem fugir do que já faziam antes. As melhores presenças em cena são de Jofre Soares, Raquel Martins e Dirce Migliaccio. Os outros atores estão quase sempre a um passo da caricatura, Ruthinéa de Moraes consegue, entretanto, alguns bons momentos; quando se esquece de sua ótima Neusa Sueli em “Navalha na Carne”. Poderíamos ter visto uma tragédia brasileira. Mas “A Última Virgem” consegue apenas esboçar-se, ser a promessa de uma grande peça.

 



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.