Críticas

Texto menor de Nelson Rodrigues bem encenado

Matéria de 05/09/1980


Nelson Rodrigues continua a ser um dos nossos autores mais importantes não somente pela sua extraordinária intuição teatral, o que faz com que todas as suas peças, mesmo as menos logradas, funcionem no palco, como pela ousadia no tratamento de temas, ainda tabus apesar da permissividade atual. Consciente ou inconscientemente, Nelson Rodrigues absorveu várias influências das escolas teatrais do nosso século passando pelo simbolismo, expressionismo, teatro do absurdo, a crueldade artauniana, sem perder o pé num certo realismo e até naturalismo. Por isso, a encenação de uma peça sua é sempre importante.

 

O Grupo Boca Aberta escolheu "Dorotéia" para sua apresentação o Teatro Oficina, agora alugado pelo SNT e cedido à Cooperativa Paulista de Teatro. Trata-se de um texto de 1947, o quinto na dramaturgia de Nelson Rodrigues, depois de dois épicos como "Vestido de Noiva", sem dúvida ainda a obra-prima do autor, e "Anjo Negro" e anterior às tragédias suburbanas, a melhor parte da sua dramaturgia depois de "Vestido". Não é das suas melhores peças, mas dispõe de um achado, simbolizando o bloqueio sexual feminino, que é a náusea sentida pelas mulheres da família na noite de núpcias, mulheres sem quadris e que têm um defeito de visão que não lhes permite ver nitidamente os homens, marcas das quais escapa Dorotéia.

 

O diretor Aziz Bajur aproveitou bem os elementos simbolistas do texto, como o jarro que persegue Dorotéia, ou a jovem Das Dores, nati-morta que não foi avisada da própria morte e por isso cresceu e está pronta para o casamento com um par de botinas, desenvolvendo um espetáculo de efeitos visuais, ajudado pela cenografia, da qual é também autor, e pelos figurinos de F. E. Kokocht. Para as três mulheres assexuadas, utilizou atores masculinos, não, felizmente, como travestis, mas na antiga tradição teatral que vem da Grécia. O uso das máscaras, criadas por Cida D’ Agostinho, envolvidas em panos, permite a duplicação dos personagens, num outro bom efeito cênico.

 

Dos atores, Aron Aron, Carlos Barreto e Lauri Prieto fazem as três mulheres com acertado equilíbrio, evitado a caricatura, o que já não acontece com José Carlos Melão na sogra. Esmeralda Hannah tem o tipo físico para a Dorotéia, mas precisa cuidar mais da expressão vocal e Ecila Pedroso dá o tom inatural de Das Dores.

 

Uma acertada encenação, com bons efeitos cênicos, de uma peça menor de Nelson Rodrigues, mas, como sempre, de grande teatralidade.



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.