Críticas

Mergulho no Universo Feminino

Matéria de 01/07/1994


Dorotéia é uma das peças mais difíceis da dramaturgia de Nelson Rodrigues. Exige do diretor opções muito definidas para a construção do espetáculo. O texto tem um experimentalismo que beira, de um lado, o teatro do absurdo de Ionesco, e de outro o surrealismo. A peça passeia pela histeria e pela loucura, articula uma trama absurda e fascinante.

 

Dorotéia é a mulher estigmatizada, que deu um mau passo e caiu na vida. Certo dia, depois que morre seu filho, volta para a casa da família. Moram lá Dona Flávia, Carmelita e Maura, que tiveram a “náusea” na noite de núpcias, uma repulsa cósmica e mortal ao sexo. Ainda assim, Flávia teve uma filha, Maria das Dores, que nasceu morta aos cinco meses, mas vive, já que ninguém lhe comunicou sua morte prematura. A natimorta Das Dores vai se casar com o filho de Dona Assunta da Abadia, só que o rapaz não passa de um par de sapatos embrulhados em jornal. Ao fim de tudo, Dorotéia será aceita na casa depois de perder sua beleza e contrair “chagas”, e Das Dores, que não terá a “náusea” na noite de núpcias, saberá a verdade a seu respeito e retornará ao ventre da mãe.

 

Essa feroz incursão de Nelson Rodrigues pelo universo de mitos e símbolos femininos, embebida de elementos de sonho e pesadelo, foi batizada pelo autor de farsa irresponsável. O texto possui elementos de farsa, como a caracterização dos personagens, e, especialmente os diálogos. É notável a conversa entre Dona Flávia e Dorotéia sobre a feiúra. E delicioso o azedume das falas iniciais da peça, trocadas entre as duas. Dorotéia bate à porta. “Quem é?”, pergunta Flávia. “Parente” . “Mas parente tem nome!”. Para além do humor, no entanto, está é a tragédia dos seres humanos sem amor, de uma gente reprimida, hipócrita, que tem haver menos com os delírios do surrealismo que com a vida insuportável dos quintais de periferia das grandes cidades.

 

O grande problema da Dorotéia em cartaz no Centro Cultural São Paulo é que o diretor, Carlos Gomes, não soube optar pela farsa ou pela tragédia. O espetáculo oscila entre os extremos, sem saber que trilha tomar. O humor é desperdiçado. A crueldade do dramaturgo também passa batida. A cenografia tenta criar, sem sucesso, a idéia de um ambiente fechado, asfixiante. A porta metálica de correr poderia ser uma boa solução, mas perde-se pela timidez com que é usada.

 

No elenco há atrizes promissoras. Sônia Schuib, como a vociferante Flávia, e Rita castro, na pele da perdida Dorotéia, são figuras fortes, expressivas, mas prejudicadas pela linha da direção. Ficam nos estereótipos e não capturam as possibilidades dramáticas dessas personagens. Luiza Albuquerque e Rita Castro, respectivamente Carmelita e Maura, perdem-se em excessos caricaturais. Cecília Borges, como Das Dores, tem uma delicadeza que merece melhores oportunidades.

 



Contato
nelsonrodrigues.com.br.
Mail : contato@nelsonrodrigues.com.br
SIGA-NOS
Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.