Entrevistas

Entrevista com Wilson Figueiredo

Matéria de 05/12/2000


O jornalismo moderno seria a morte para Nelson

Jornalista, torcedor do fluminense  e amigo pessoal e colega de redação nos tempos de A Última Hora, Wilson Figueiredo,  conta como foi seu convívio diário com o jornalista Nelson Rodrigues. 

Nelson e a imprensa

Você e Nelson trabalharam juntos por muito anos no Última Hora. Como ele era no trabalho? 

Calado. Escrevia só com um dedo da mão direita. Era o chamado catador de milho bravo. Escrevia devagar e não reescrevia. E naquele tempo, como era máquina, não tinha como apagar. Então ele escrevia, depois rabiscava tudo... O trabalho dele era paciente, metódico e não se interrompia. 

Às vezes, ele parava e perguntava: Quem conhece aí pneus marca Goodyear? Ou então: Quem aí que conhece Paris? Como é que se veste em Paris? Na redação, ele era um tipo integrador. Mas quando acabava o trabalho, saía e ia embora. Chacrinha era só no trabalho. 

E ele era mesmo galante com as mulheres? 

Nelson sempre fazia mistério sobre esse assunto. Ninguém sabia de nada. O próprio Sábato, um dos seus amigos mais íntimos, me confessou que quando leu a biografia de Nelson, se surpreendeu ao descobrir a existência de uma segunda mulher. Ficou até chateado. Eles eram íntimos, confidentes, ele sabia de tudo que o Nelson fazia. 

Muitas coisas só vim a saber depois. Certos casamentos, certos namoros, esse da paraguaia é fantástico. Teve uma outra aí, uma atriz, que vejo de vez em quando na televisão, que também  teve um caso com ele, morou com ele, e hoje está casada com outro. 

Mas Nelson não tinha uma natureza confidencial. Ele era um sujeito trágico, com um forte sentimento da família. Ele não perdia aquela visão que teve quando menino, do irmão dele, o Roberto, sendo assassinado no meio da  redação. Ele achava o irmão um gênio... Aliás, a família era uma coisa rara, uma unidade de família, mas uma unidade na tragédia. 

Nelson dizia que o copidesque seria a morte da imprensa, é verdade? 

Ah, sim. Ele achava que o texto devia ser pessoal. Mas o  jornalismo moderno é impessoal. Você lê uma notícia e não sabe quem escreveu. Tem um padrão, tem um método. Nelson gostava quando o autor aparecia por trás da matéria. A formação jornalística dele é anterior à guerra. O jornalismo americano, que é o modelo que seguimos atualmente, chegou ao Brasil depois da guerra, no fim dos anos 50... 

Você acha que ele se adaptaria a esse estilo moderno de jornalismo? 

Seria a morte pra ele. Para o Nelson, em primeiro lugar estava a criação. Tudo se resumia à maneira pessoal de dizer as coisas. Ele era personalíssimo, inconfundível e chegava a ser repetitivo. Ele repetia frases, adjetivos, conceitos só para marcar seu estilo. Ele era capaz de inventar qualquer adjetivo. Era um catador de adjetivos de uma precisão anormal. 

Em 50, Nelson ficou desempregado. Ele pediu demissão e achou que todos os jornais iam contratá-lo, mas nenhum contratou. Você acha que foi por causa da interdição de suas peças? 

Teve um tempo que o preconceito contra o Nelson era muito forte. A partir dos anos 50, a coisa melhorou. A guerra tinha acabado, a industrialização começava, as cidades se urbanizaram e cresciam muito depressa. Os meios de comunicação aumentaram seu alcance, principalmente com o surgimento da televisão... Aí sim, o Nelson começou a ser mais respeitado. Ou melhor, mais admitido. 

E as suas crônicas, você acha que hoje ele teria espaço nas redações como cronista? 

Teria, claro. Porque tudo o que ele fazia tinha um sentido folhetinesco. A alma dele era alma de folhetim. A dramaticidade, o caso amoroso. Histórias típicas de homem/mulher/adultério. Suas crônicas eram completas, é fantástico que fizesse todo dia! 

Nelson também teria espaço como cronista opinativo. Porque ele era capaz de pegar qualquer fato do dia e atacar a situação, em cima dos costumes. O Nelson não se considerava um imoral, ele se considerava um moralista, um denunciador. Na cabeça dele, era assim. 

Você acha que o folhetim e ficção de jornal acabaram? 

A literatura em jornal passou. O jornalismo se impessoalizou e a literatura é evidentemente pessoal. A literatura é uma primeira pessoa disfarçada em outras, mas é sempre uma primeira pessoa. 

É verdade que ele fazia críticas favoráveis a ele mesmo e pedia para os outros assinarem? 

Isso ele fazia por fora, só de brincadeira. Na verdade, Nelson queria ser popular, ser reconhecido. Sentia-se seguro com o reconhecimento. Era como se ele fosse frágil, como se não tivesse consciência da sua genialidade... No fundo tinha, mas também tinha medo de estar errado. Então, precisava da confirmação dos outros. 

E quando alguém da redação criticava uma peça dele? 

Se alguém dizia que não gostava, ele dizia você é uma besta, não entende nada da vida e tal, mas sem animosidade. Ele tinha uma cordialidade natural, mas não era efusivo, nem sentimental. Não era um homem de abraçar. 

Nelson era veemente, mas não ofensivo. Ele era maligno, as brigas dele eram por escrito. Pessoalmente eu não me lembro dele nunca ofendendo ninguém. Ele acreditava muito naquilo que ele fazia, achava que estava defendendo a moral. 

E essa vontade que ele tinha de aparecer, era por vaidade? 

Isso era uma coisa inata dele. Ele gostava da fama. Era queria ser popular de uma forma polêmica. 

E entrevista? Ele mesmo se entrevistava? 

Não precisava. Nelson era um ótimo entrevistado. Aceitava qualquer pergunta e tinha respostas admiráveis. Ele não era um pensador, mas guardava uma relação com o grande público. Por isso, era muito direto em suas respostas. 

Sua grande entrevista foi dada ao Otto Lara Resende, na televisão. Ele implicava muito com os jovens, isso era um cacoete dele, só pra provocar. E como despedida da entrevista, Otto pediu um conselho aos jovens, depois de um silêncio, ele usava muito o silêncio, Nelson respondeu: 

Envelheçam. Isso é teatro puro!

Nelson e o futebol

Você acompanhou essa paixão do Nelson pelo Futebol. Você é tricolor, também?

Sou. A gente tinha esse caso em comum. Mas o futebol dele era outro, não tinha nada haver com a coisa do campo, ele gostava da mitologia do futebol. Criou aquele personagem o Sobrenatural de Almeida. Ele criava esse tipo de coisa e vivia intensamente. 

Vocês iam juntos aos jogos?

O Fluminense estava numa boa fase, ele dizia assim: “Vamos ganhar!” Nelson era sempre otimista em relação ao time, fazia esse tipo de personagem. A gente geralmente se encontrava muito no Maracanã, mas como ele era absolutamente míope e não usava óculos, ficava sempre perguntando: “O que que houve agora?”. Dá pra imaginar? Estar numa cadeira do Maracanã, perguntando o quê que houve? Era formidável!

Ele chegou a abandonar o trabalho por causa do Fluminense?

Não. Ele não era uma pessoa marcada pela tragédia da família. O  trabalho para ele era sagrado.

E quando o Fluminense perdia como ele reagia?

Dizia que estava escrito há quatro mil anos e seguia um velho pensamento: “Não se perturbar....”

Você sabe como surgiu a paixão dele pelo Fluminense? Ele nasceu em 1912, que foi o ano do primeiro Fla-Flu....

O fluminense era um time da sociedade. Era o 1º time o mais antigo, de gente grã-fina. E o Nelson era aquele tipo de pessoa muito voltada para o passado. O mito sempre está no passado. Então, o Nelson criou esse mito do Fluminense. Mas era outro Fluminense, na época...

E você sabe de algum caso engraçado dele, no futebol, no Maracanã?

O Nelson não era engraçado nesse sentido. Ele tinha uma vida muito  trágica. Aquilo que aconteceu com a filha foi uma coisa trágica. 

Ele ia de arquibancada?

Não ele tinha credencial de jornalista e ficava na tribuna. O Nelson gostava muito desse tipo de prestígio, de receber convite pra teatro, carteirinha de cinema, coisas de graça. Ele não usufruiu da riqueza da família. Sempre foi classe média que passava dificuldades, isso marcou muito, então, ele gostava desses pequenos sinais de consideração. Ele não frequentava a sociedade, não dirigia automóvel, só andava de taxi. Era o luxo dele. 

Você diria que ele gostava de futebol como um palco?

O estádio e o campo eram um lugar onde as coisas existiam, um lugar onde as pessoas se encontravam. O Brasil ainda não conhece o Nelson... Mas um dia vai conhecer. 



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Mail : contato@nelsonrodrigues.com.br
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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.