Entrevistas

Entrevista com Rosita Tomaz Lopes

Matéria de 28/03/2001


"Nelson ficava indignado porque nós éramos comedidos" 

Você participou da primeira novela da televisão brasileira, "A morta no espelho". Como foi esse processo? Houve alguma confusão, por ser a primeira experiência com teledramaturgia?

Não exatamente confusão, nós já tínhamos feito muito teatro na TV. Mas foi uma experiência muito interessante e, como o Nelson estava vivo, ele acompanhava os ensaios, as gravações. Era muito engraçado porque ele participava vivamente da coisa. 

Como ele participava?

Ele ficava indignado conosco porque queria algo exagerado, e nós éramos, segundo ele, todos comedidos. Nelson dizia assim: "Na hora de se desesperar, vocês têm que rolar no chão, se bater em desespero". E a gente não sabia fazer esse tipo de coisa. Não sabia e não gostava. E ele: "Vocês só gostam de coisas inglesas, britânicas. Não pode ser assim, tem que se descabelar, gritar". Ele ficava uma fera... 

Vocês ensaiavam as cenas antes de gravar?

A gente ensaiava antes, mas não ensaiava como no teatro, não se ensaiava como se fazia antigamente, quando a TV era ao vivo. Você vai ao estúdio e o ensaio é ali, na hora. Porque já tem que se estar com o texto decorado.

Quando a gente chegava com o texto decorado, o diretor ia dizendo: "Aqui você vai dizendo o texto, aqui levanta e sai e o outro entra por esse lado e senta aqui. Aí você volta e senta na cadeira, ele levanta e senta no sofá".. Ele fazia a coordenação dos movimentos na hora. Fazia aquela coisa toda, e se desse certo, ótimo. 

Depois, tinha um ensaio outra vez com as câmeras, para os câmeras verem a posição de cada um. E a seguir era gravado. 

Eram só três ensaios?

É. Passávamos só três vezes, uma para aprender, depois eram duas ou três vezes no máximo. E, logo após, gravávamos.

Vocês recebiam o roteiro com quanto tempo de antecedência?

Em geral, a gente esperava que fossem dois ou três dias, mas de vez em quando era em cima da hora. Quando é assim, não tem remédio, é passar a noite inteira, em vez de dormir, decorando o texto do dia seguinte. Mas, em geral, a gente tem uns dois ou três dias. 

Tinha muito erro nas filmagens?

Tinha. O Nelson tinha ataques e era engraçadíssimo. Ele dizia assim para mim: "Você é uma mulher que despreza um homem porque ele usa meia branca com sapato marrom?" E eu dizia: "Não, imagina." E ele: "Ah, você deve ser dessas mulheres que desprezam homem que ainda usam meia branca com sapato marrom. Vocês acham isso o fim da picada."

Por falar nisso, o Nelson tem uma série de histórias que contam sobre ele ser uma homem afetuoso, galante. Ele tinha uma atenção mais especial com as atrizes?

Eu não tive esse tipo de contato com ele. Ele era muito engraçado. Sempre foi muito galante com as mulheres, amava as mulheres. Mas vinha com umas coisas totalmente inesperadas, como essa coisa da meia branca e do sapato marrom. 

As coisas engraçadas que ele falava eram brincadeiras?

Não, era próprio dele. Fazia isso naturalmente. Neste ponto, quando ele falou o negócio do sapato marrom com a meia branca, não foi para fazer piada e sim porque achava mesmo que eu era uma grã-fina. O que queria dizer é que para ter um relacionamento comigo, tinha que ser um homem fino, bem vestido. Se fosse mau vestido, se tinha mau gosto, eu já acharia ruim e não falaria mais com ele, botaria para escanteio. Isso ele dizia com sinceridade. Não era para fazer piada.

Como foi a repercussão da novela?

A repercussão foi ótima, mais do que se esperava. Eu estava começando minha carreira. Já tinha participado de algumas peças do "Teatro em Casa" que eles faziam, na TV-Rio, com o Sérgio Britto, a Fernanda Montenegro. 

O que eu lembro da época vem do fato de que, quando a gente trabalha, acaba ouvindo sobre o ibope. E o que eu soube é que foi um sucesso estrondoso. 

Mesmo sendo em um horário tarde da noite?

Sim. Fez um sucesso enorme.

As pessoas mandavam cartas, comentavam nas ruas?

Sim. Mandavam muitas cartas, paravam a gente na rua. Davam palpites: "Não faça isso, não faça aquilo..."

E o fato de ser o Nelson Rodrigues a escrever a novela provocou algum impacto?

Foi um impacto meio violento. Tiveram reações da crítica.

E a imprensa como recebeu, de uma maneira geral?

Eu acho que recebeu muito bem. O problema é que eu era tão nova na televisão, que não acompanhava muito esses detalhes.

Mas saiu alguma coisa no jornal?

Saíam sempre críticas, eram boas. E, inclusive, para mim foi ótimo porque me colocavam lá em cima. Eu fui muito bem recebida no meu primeiro trabalho sério na televisão, meu primeiro trabalho importante. 

Até ali, tinha feito coisas pequenas, papéis de coadjuvante. E, ali, era um papel ótimo, que foi crescendo na trama. Meu papel começou secundário e foi se tornando importantíssimo. 

Como era a sua personagem?

Era uma personagem má. O público gosta desse tipo de personagem porque, no fim, eles metem o pau, mas vibram também. O Paulo Gracindo era o meu marido. Nós éramos muito ruins. Eu era muito mais peste. As pessoas na rua pintavam o bode. 

A Zilka Salaberry dizia assim: "Você não pode ir à feira, lá você vai apanhar". E, realmente, as pessoas reclamavam, me paravam na rua e diziam: "Você é muito ruim". "Por que está fazendo esta maldade com ela?" - com a Fernanda, que era a boazinha. As pessoas ficavam enlouquecidas, era o princípio das novelas e o público tomava muito a sério as coisas. 

Teve até uma amiga minha que me telefonou e disse: "Rosita, eu estou te telefonando... você não ache ruim não... Mas, não faz isso com a fulaninha, ela é tão boazinha". Eu pensei: "Ela enlouqueceu, como se eu fosse a personagem!" E ela me conhecia bem, sabia que eu jamais faria aquelas coisas. 

Qual era a relação da sua personagem com a da Fernanda?

Que eu me lembre - não tenho muita certeza, pois foram muitas novelas depois disso - a minha personagem era madrasta da Fernanda. Eu tinha me casado depois da Fernanda já estar grande. Eu fazia maldade com ela por causa de herança, dinheiro, essas coisas. 

Você lembra quanto tempo a novela ficou no ar?

Não me lembro. Eu me lembro que ela ficou mais tempo do que era previsto. Foi fazendo sucesso e ia se esticando.

O Sérgio Britto contou uma história de que quando os atores receberam o final de "Beijo no Asfalto", que estavam ensaiando, foram reclamar com o Nelson, porque não gostaram do encaminhamento que ele deu. Por ser uma novela em capítulos tinha algum tipo de movimento, quando algo desagradava, vocês sugeriam alguma coisa?

Não. Eu tenho a impressão que houve qualquer coisa de ciúme. O problema é que como eu era nova ali dentro, eu percebia as coisas vagamente. Eu era muito ingênua e não sabia direito o que estava se passando. 

Por isso, estava meio por fora. Inclusive, tive um papel que nunca esperaria ter. Eu era novíssima e só tinha feito papéis coadjuvantes e, de repente, faço um papel quase de protagonista. Não tinha nada a me queixar, estava achando tudo ótimo.

Você conhecia a obra do Nelson antes da novela. Já tinha tido algum contato com seu teatro?

Como uma pessoa interessada em teatro, eu sempre gostei muito da obra dele. O teatro dele é importantíssimo, para nós, e ele tem uma coisa que eu acho impossível encontrar alguém que faça melhor: Os seus diálogos. O diálogo do Nelson é impecável, flui. É fácil para uma atriz representá-lo porque você faz naturalmente, não há dificuldade em dizer aquilo. O diálogo é como tem que ser. 

Qualquer coisa que você faça dele, teatro, televisão, é maravilhoso. Nos dava um prazer enorme fazer e proporcionava uma união grande entre todos.

Nessa época, a televisão já era mais popularizada, muitos pessoas já tinham TV em casa, ou ainda era aquela coisa de ir ver na casa do vizinho?

Eu acho que já estava acabando com isso. Era uma época de transição. Não era como hoje que a gente vê televisões em qualquer favela, os barracos com antenas parabólicas... não era bem assim. Mas era na transição, o pessoal querendo e a televisão entrando forte na vida das pessoas. 

Foi quando começou a popularidade de rua, "Não pode ir à feira, senão apanha..." Os feirantes todos tinham televisão, os homens viam as novelas também. Tem uma feira aqui em frente de casa e, na época, quando eu aparecia por lá o pessoal falava "Olha Dona Fulana ali."

Tinha alguma pesquisa do tipo perfil das pessoas que assistiam as novelas?

Sempre teve. Eles fazem pesquisas para ver qual classe assiste mais, se é a A, B ou C. Eu acho que naquela época era mais forte na classe A, porque era quem mais tinha televisão em casa. Foi quando começou a criar a popularidade mais baixa.

Houve suspense em torno do último capítulo?

Não tinha tanto suspense porque a história não era tão misteriosa como nos dias de hoje. Pouco antes de se acabar, já se sabia o final. 

Como era o cotidiano das gravações?

O trabalho era uma loucura. Naquela época não havia hora de acabar, nem de começar. As gravações iam de sete da manhã até quatro horas do dia seguinte, quase 24 horas de trabalho. Era uma loucura. Depois disso, é que começaram a fazer o sindicato, as exigências de horário... 

Todo mundo trabalhava nesse ritmo?

O ator é muito solidário. Quando a gente está trabalhando não está sozinho. Raras pessoas tem a coragem de dizer: "chegou a minha hora e eu vou me embora." Então, a gente trabalhava a madrugada inteira. Só depois, quando começou a ficar uma coisa apavorante, que começaram as mudanças. 

As cenas já eram marcadas separadamente. Um núcleo filmava primeiro, o outro depois?

Não. Não havia núcleos, era um único grupo. Por isso, as gravações eram tão intensas. Senão, demorariam milhões de anos para se fazer uma novela. Tinha que fazer o trabalho ali, para poder fazer o trabalho num tempo normal. Hoje em dia, se separa em núcleos e depois junta tudo.

Havia alguma diferença do texto do Nelson para a TV para o teatro?

Não. Ele, tanto em teatro, quanto em televisão, era a mesma coisa. Um texto bom, bem feito. Com as mesmas temáticas, ele era completamente obsessivo.




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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.