Palmas Merecidas
Matéria de 21/03/1973
Antes eles eram acusados de intelectuais
pelo público que torcia o nariz em seus filmes e pelos marginais do cinema
udi-grúdi. As respostas começaram a surgir na temporada passada: em "Os
Inconfidentes", de Joaquim Pedro de Andrade, os intelectuais envolvidos na
rebelião de Vila Rica saíram tosquiados: simultaneamente ao lançamento de
"Amor, Carnaval e Sonho", Paulo César Saraceni fez questão de tornar
pública sua recém adquirida alergia aos intelectuais brasileiros. Chegou a vez
de Arnaldo Jabor, 32 anos, autor de "O Circo", "Opinião
Pública", "Pindorama" e "Toda Nudez Será Castigada"
(Rio), exorcizar o mais novo e menos poderoso bode expiatório do extinto cinema
novo, alegando que os "intelectuais não sabem sentir" e que "não
agüentava mais o conceitualismo, o idealismo, o simbolismo dedutivo que tanto
se usa para nos defender do fecundo e perigoso contato com a vida mesma".
Jabor foi mais cauteloso que Joaquim Pedro e menos inconseqüente que Paulo
César. Para começar, pegou uma peça de Nelson Rodrigues que é, ao menos -
"pour épater" -, um inimigo de intelectuais. E dela fez um filme cuja
retumbante e merecida aceitação popular (em algumas sessões até recebido com
aplauso) o isenta, até o próximo filme, da claque acessória da crítica e outras
ramificações da insensível intelligentsia (nacional). Comunicações - Para dar o
grande e necessitado salto em direção aos braços do povo
("Pindorama", seu filme anterior, foi um fracasso de bilheteria),
Jabor escolheu um texto que, de certo modo, é a forma mais pura e também
intelectualizada das telenovelas e saturnálias de Carlos Imperial. "Toda
Nudez", como quase todo o teatro de Nelson Rodrigues, é uma espécie de via
crucis da pequena burguesia sem catarse religiosa. Como retrato expressivo de
uma sociedade ou do ser humano, é rico em vinhetas, mas pobre no conjunto
involuntariamente precário em psicologia. Apesar de ajudado por um elenco
afiado (destaques especiais para Darlene Glória e Paulo Porto), uma equipe
técnica de categoria e senhor de todos os truques capazes de seduzir uma
platéia, Jabor não soube, não quis ou teve medo de levar às últimas
consequências. A peça era uma ópera bufa sobre o convívio da morte, do sexo e
das repressões da falsa moral no seio da baixa classe média. O filme procura se
ajeitar no meio termo com alguns intermezzos poéticos embalados pelo tango
intelectual, de Astor Piazzola. A música serve para dar um condimento refinado
a um espetáculo que, afinal, não passa de um filme comercial e comunicativo
sobre algumas taras de uma tradicional família carioca.