Entrevistas

Entrevista com Camilla Amado


Em 1976, a atriz Camilla Amado, protagonizou a segunda montagem da peça "Vestido de Noiva", na pele de Alaíde. Nessa entrevista, Camilla relembra a montagem dirigida por Ziembinski e seu contato diário com Nelson que, segundo ela, "sabia ouvir" como ninguém. (Na primeira página)

Como foi fazer "Vestido de Noiva"? 

Participei da segunda montagem da peça, em 1976, dirigida pelo Ziembinski, que também esteve a frente da primeira montagem, em 1943. Ziembinski era um craque, um gênio. Ele tinha toda a iluminação na cabeça, todo o cenário. Era só luz, planos e camélias. Era uma coisa deslumbrante. E eu me apaixonei por ele, porque o processo foi extraordinário. 

E como foi esse processo extraordinário? 

Ele era um artista, não era um babaca, não é um chefete. Eu não sou funcionária pública, ele sabe muito bem. No primeiro dia, nos sentamos na mesa. Eu, Norma Bengell que fazia Madame Clecy, Carlos Vereza que fazia o Pedro, Maria Claudia que fazia a Lúcia, a Estelita Belga, que é uma das maiores atrizes do Brasil, Francisco Dantas, Roberto Pirilo, Dirce Miliati, acho que eu não estou esquecendo ninguém.... 

Num dado momento, eu perguntei ao Zimba: "Como é que você vê a Alaíde?" 

Quando eu perguntei isso, o Vereza virou para mim e disse assim: "Até agora você sabe como é que é a Alaíde?" Eu disse: "Não". E Ziembinski foi brilhante: "A Alaíde é como um peixe na lagoa. Ela quer respirar e não pode". 

Ele tinha acabado de me dar a imagem do personagem. Percebi que estava diante de um grande artista. 

O Nelson freqüentava os ensaios? 

Ele ia durante os ensaios, ele ia a tudo. Se ele pudesse, vinha aqui para casa para ficar falando sobre a Alaíde comigo, para me ouvir falar sobre a Alaíde, para ouvir a Norma Bengell, para ouvir também o faxineiro do teatro falar como que ele fazia a faxina do teatro, para conversar com a bilheteira..... Ele sabia ouvir. 

Ele dava sugestões? 

Não, ele era um grande autor vivo. O único autor vivo com quem eu trabalhei que não interferiu no processo. Nunca, em nenhum instante. Ele era muito tímido, uma timidez imensa que ele tinha que vencer a cada segundo para viver. 

Como foi a reação do público ao espetáculo? 

A reação do público foi extraordinária, porque o espetáculo era extraordinário. Ziembinski era extraordinário. E todos nós estávamos fazendo o espetáculo com a alma. 

A montagem de Vestido de Noiva, em 1943, foi um marco no teatro brasileiro. Você tem alguma lembrança em relação a ela? 

Tenho, meu pais assistiram e ficaram loucos pelo o que estava acontecendo, diziam que "Agora o teatro tem um sentido, uma função!" Nelson trazia um rompimento moral no texto, na vida, na obra. Uma transgressão de valores. Isso é sempre renovador e forte. 

Uma vez você falou em fazer uma montagem do Nelson com todo mundo nu, pois esse era o verdadeiro sentido do Nelson. Você acha que existe maneiras de montar Nelson que ainda não tenham sido feitas? 

Sempre há, sempre há. Porque o homem é o único animal que conta a sua própria história, é o único animal que pode inventar sua história. A Cecília Meireles diz a vida só é possível reinventada. 

Acho que tem gente que monta Nelson com muito exagero. Outros que montam Nelson criticando, fazendo uma caricatura. Outros que montam o Nelson poético. Tem de tudo e sempre terá de tudo. Eu não sei como eu montaria Nelson ainda, porque essas coisas só diante da obra concreta, definida diante das pessoas com quem eu vou trabalhar e tudo que surge.

Mas você tem vontade de montar algum texto específico? 

Não. Eu já trabalho tanto que não quero inventar mais trabalho. Prefiro ficar sonhando assim, um mês numa praia do Nordeste. Se me derem uma peça do Nelson Rodrigues, vou dirigir e tentar ser o mais fiel possível ao desejo do Nelson, junto com o meu desejo. Vamos unir os desejos. Vai ficar uma sacanagem danada. 

Tem algum texto que você goste mais do teatro de Nelson? 

"Álbum de Família" é uma obra prima. A idéia de que tem um animal rondando a casa é genial. Todo o pensamento dele, ele consegue sintetizar numa imagem. Tudo está acontecendo de torto, de neurótico, de dramático, de complicado, de letal, de assustado, de violento, de agressivo. Tudo dentro da casa e o animal na sua pureza total, na sua idiotia aparente, ronda a casa. É lindo. 

Eu gosto muito de "Vestido de Noiva" por razões afetivas. É um texto perfeito. Tudo se passa dentro de uma mente, enquanto essa pessoa está agonizando. É lindo os três planos, a vida, a morte, a fantasia, passado. Ele mistura tudo, em vários aspectos. É uma maravilha. Gosto de tudo no Nelson. 



Contato
nelsonrodrigues.com.br.
Mail : contato@nelsonrodrigues.com.br
SIGA-NOS
Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.