Entrevistas

Um Obsceno na porta da academia

Matéria de 20/01/1980


No início foram rumores, notas em jornais, sugestões de intelectuais. Agora, no entanto, a candidatura de Nelson Rodrigues à Academia Brasileira de Letras já é uma realidade, embora o dramaturgo não o afirme, o que compreende sutilezas e não ficaria bem alguém confirmar a candidatura a uma vaga que ainda não foi oficialmente aberta.


Mas a candidatura de Nelson à vaga de Pontes de Miranda – e sua eleição – já é dada como certa no meio literário. E o que pensa um autor, considerado revolucionário, de entrar para uma academia considerada conservadora e até retrógrada? 

Não tenho nenhuma opinião destrutiva sobre a ABL. A academia é um fato. Ela existe, quer eu queira ou não. Tem lá seus escritores, seus espíritos e não adianta falar contra ela. Tem gente que implica até com o chá das quintas feiras, como se fosse um defeito tomar chá. E se servissem chocolate seria, também, defeito? Eu acho chá formidável, algo que antigamente, só era servido a personagens de romance inglês. Agora, não. Todo mundo bebe. E por que bebem? Não me interessa. 


O que interessa mesmo a Nelson Rodrigues é a conversa, o bate papo entre os acadêmicos, que sempre precede o chá das quintas. Ele considera-se um ouvinte maravilhoso, desses que se interessam por qualquer palavra, qualquer frase. 

Essa é talvez, minha única virtude: saber ouvir. Um ficcionista tem que ser um ouvinte, assim como o psicanalista. Eu me interesso por qualquer um que fale comigo. Se você começar a conversar sobre bola de gude, vou ouvir maravilhado. Tudo me interessa. O imbecil é um ser humano e constitui maioria absoluta. Há milhões de imbecis pelo mundo, os outros é que são uma minoria ridícula. Antes, o gênio ainda influía, o imbecil seguia suas idéias. Mas hoje, se o gênio não se fingir de imbecil, não arranja emprego. 


A entrada para a Academia seria uma tentativa de seguir os imbecis? Claro que não, reage Nelson. Para ele a ABL, merece toda a sua estima, pois lá só tem amigos. Mesmo o diretor Alceu Amoroso Lima – tão atacado por Nelson em outras épocas – é, atualmente, considerado um provável amigo. (Nelson costumava chamá-lo, ironicamente, de O doce Alceu). 

A medida em que eu entro na velhice, vou me desfazendo de todos os meus inimigos. O inimigo é um sujeito abominável que deve ser transformado em amigo de infância. Veja você: outro dia, no Serviço Nacional de Teatro, encontrei o Sérgio Brito, com quem não falava há anos. Havia um grupo grande, no gabinete do diretor. De repente, saiu todo mundo e ficamos eu e Sérgio sozinho. Pensei comigo, que situação cômica . Nesse momento, ouvi uma voz Nelson e, em seguida, o barulho de minha cara caindo no chão, de vergonha. O meu inimigo teve a grandeza de me estender a mão. Quanto ao Dr. Alceu, é uma grande figura. No passado tivemos um equívoco. Ele me disse algo com uma intenção de outra maneira. Depois, com o tempo, meditei, meditei, e um dia, de repente, baixou em mim uma luz: o Dr. Alceu tinha razão. Por isso quero acabar com essa inimizade. 


Parece que a vontade é recíproca, já que o Dr. Alceu declarou à Folha ter achado a candidatura de Nelson Rodrigues. Para ele, Nelson é o maior dramaturgo brasileiro e sua indicação à Academia é um desfecho natural, que aconteceria um dia. Embora ressaltando que o voto na ABL é secreto, o Dr. Alceu disse que votaria em Nelson Rodrigues por ele ser digno da Academia e a Academia digna dele. 

Num ponto, certamente o Dr. Alceu tem razão, a candidatura de Nelson Rodrigues à ABL será um desfecho natural. Há anos, que os amigos, insistem, que sugerem um movimento em prol dessa candidatura. De vez em quando um intelectual dá uma entrevista lembrando o nome de Nelson Rodrigues para a ABL. Até que ele não resistiu. 

Ora, eu me apaixono por qualquer idéia ao meu favor. Se você tiver uma idéia a meu respeito, vou achar maravilhoso. Não recuso uma sugestão desse tipo. Meu entusiasmo funciona para isso. 


Sabe-se que o grande articulador da candidatura de Nelson é Otto Lara Resende, o mais novo dos acadêmicos (em idade e em tempo de eleição). Comenta-se inclusive que o teatrólogo teria, realmente, se entusiasmado, depois da entrada de Otto para a Academia. Nelson, no entanto, conta uma versão diferente. 

Na verdade, eu deveria concorrer quando Otto entrou. Mas achei que não poderia concorrer com um sujeito que não é só meu amigo, mas também meu personagem. Como sabe, minha peça Bonitinha, mas Ordinária tem por subtítulo Otto Lara Resende. Foi uma homenagem, mas muita gente, inclusive a família de Otto, não entendeu. Acharam que eu queria ridicularizá-lo. Mas ele já me disse particularmente, num terreno baldio, que gosta da homenagem. Agora vai sair o filme da peça. E eu fico na dúvida se coloco ou não o nome de Otto nos letreiros, nos cartazes. Perguntei ao nosso amigo Hélio Pelegrino, que me aconselhou a consultar o Otto. Mas esse é um sujeito que não atende telefonemas e assim, continuo na dúvida. 


Além de Bonitinha, mas Ordinária, Os Sete Gatinhos também foi transformada em filme e está em vésperas de lançamento. Em março, estréia uma nova peça de Nelson Rodrigues, A Serpente, dirigida por Marcos Flaksman. Se Nelson for eleito, formará, ao lado de Jorge Amado, a dupla acadêmica de maior público. Ele gosta disso. Quando A Dama do Lotação estava em cartaz, ia sempre aos cinemas ver as filas enormes, com multidões querendo ver o filme de Neville D’Almeida. Foi a maior bilheteria do cinema nacional em todos os tempos, e Nelson confessa que esse fato lhe dá uma certa excitação, um fogo interno. 

Durante vinte anos, fui o único autor obsceno do teatro brasileiro. Ninguém gostava de mim. Algumas pessoas montavam minhas peças e outras iam vê-las por causa do escândalo. Os artistas e o público tinham verdadeira repugnância por minhas peças. Hoje, o grande público adora os meus textos. Não é para ficar excitado?




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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.