Entrevistas

Entrevista Nelson Rodrigues



Nelson, você vai muito ao cinema? 

Vou. 

(O primeiro elemento básico: Nelson vai ao cinema. Na última vez que fomos juntos, ele assistiu "Point Black" (A Queima-Roupa), de John Boorman, e à saída disse que gostara. Mas vem vendo outras coisas - e muitas - desde o silencioso.) 


Qual é o melhor cinema do mundo? 

Hollywood - e é o óbvio ululante. 


E o cinema francês? 

É como o italiano: um conto-do-vigário. Ambos são cinemas de moedeiros falsos. 


E o cinema brasileiro? Luiz de Barros, Humberto Mauro, etc? 

Acho que, do cinema brasileiro, salva-se "Toda Nudez Será Castigada". (Nelson não tem medo apenas do elogio; ao contrário, alimenta o auto-elogio e veremos porque, mais adiante, quando vier a dar o seu "plá" a respeito da idéia do gênio.) Tudo o mais é um "pot-pourri" de influências. 


Diga algo sobre os filmes realizados com base em sua obra. 

"Meu Destino é Pecar", de Manuel Peluffo, é ruim demais. Tanko é sério (J.B. Tanko filmou dois: "Asfalto Selvagem" e "Engraçadinha Depois dos 30"). Gostei do "Boca de Ouro", de Nelson Pereira dos Santos. De "Bonitinha, mas Ordinária" gosto das minhas falas. Flávio Tambellini em "O Beijo no Asfalto" é o Kafka do circo democrata. "A Falecida", feita pelo Leon Hirszman, sou eu, sem humor. 


Então, "Toda Nudez Será Castigada" é o melhor? 

Sim, porque "Toda Nudez", ao contrário do que pensa o Jabor, é um filme que tem todos os meus defeitos. Já o mais grave defeito do Jabor é a admiração dele pelo Godard. (Vê-se que Arnaldo Jabor está numa doce e colorida berlinda). Jabor crescerá de maneira fantástica quando brigar com todas as suas atuais amizades. O Jabor só não é muito maior porque não é reacionário, mas, um dia, ele o será e nós assistiremos à explosão de seu gênio. Nunca vi ninguém com mais vocação para aristocrata do que o Jabor. Aliás, com relação a isso, entre as minhas maiores admirações está o Roberto Campos; outra é o Mario Henrique Simonsen. (Campos e Simonsen, à primeira vista, entraram como Pilatos no Credo. Mas não é bem isto: Nelson está fazendo o cinema, a montagem de suas admirações, pois quem gosta de ser admirado também gosta de admirar.) 


E o Glauber Rocha, tão falado e badalado nas crônicas cinematográficas e sociais? 

Vi "Terra em Transe". Seria genial se fosse anterior ao "Oito e Meio" ("Otto e Mezzo"), do Fellini. (Aqui, apesar do que foi dito acima, uma concessãozinha ao cinema italiano...) 


Enfim, o cinema nacional tem futuro? 

Acho que dá pé, quando desaparecer o Cinema Novo, até o último vestígio. 


Voltando a "Toda a Nudez Será Castigada": e os atores? 

Paulo Porto está magistral. E a Darlene Glória é a Greta Garbo. Veja, por exemplo, como está divinamente bem quando diz: "Estou ocupada!" 


E o que diz da rejeição de "Toda Nudez" pela Comissão de Seleção do Festival de Cannes? 

Uma das provas da minha vitalidade é o fato de não ser eu um autor oficial. 


Você, que é um fã do futebol, que acha dos filmes já feitos na área? 

Nenhum dos filmes feitos sobre o futebol é bom, embora o futebol seja cinematográfico. A exceção é o bom documentário da Copa do Mundo de 1970, feito pelo Carlinhos Niemeyer ("Brasil Bom de Bola"). 


Vê filmes na televisão? 

Vejo pra burro. E quanto mais antigo e mais reprisado, melhor. 


E novela? 

Não vejo por falta de tempo. 


Mas, afinal, o que é que está acontecendo? 

Marx e Brecht são responsáveis pela cretinização de toda uma geração de cinema e de teatro. As cartas de Marx mostram que ele é imperialista, colonialista, genocida - quer a destruição do povo, os quais chama de piolhentos, de anões, que não merecem a existência. 


Você não acha que o seu teatro sofre influência do cinema? 

Meu teatro tem algo de cinematográfico. Ações simultâneas, tempos diversos; o que, por exemplo, caracteriza "Vestido de Noiva". 


Porém isto foi uma influência elaborada através da vivência com o cinema ou foi mais intuição? 

Foi intuição. Veja, no "Álbum de Família", por exemplo, no retrato, todo mundo está posando, enquanto, sentado, nu, está Nonô. Todo o meu teatro é rigorosamente profético. Tem tudo o que se faria depois, no teatro e no cinema. O "Álbum"é 500 vezes mais forte que "O Último Tango em Paris", com antecipação de 30 anos. Exprime uma violência que, agora, é usada. 


Acha que alguns dos seus personagens-padrão seriam cinematográficos? 

Sim. Veja: a grã-fina de narinas de cadáver, o vago marxista, o Palhares, que é o canalha, o intelectual brasileiro socialista, isto é, o débil mental de babar na gravata, o falso cretino, isto é, o sujeito inteligentíssimo que se finge de imbecil para ter livre trânsito no grã-finismo e na "festiva", etc. 


E o que mais você descobriu? 

Outra descoberta minha é que há épocas de débeis mentais, como esta em que vivemos. Só conheço o marxista de galinheiro, não excluindo o próprio Karl Marx, que também é marxista de galinheiro. 


E o Godard é marxista de galinheiro? 

O Godard não joga nem de gandula no meu time. (O entrevistador entra, agora, em transe de protesto - mas que fazer? -, Nelson é um inovador, mas, como moralista, é um clássico.) 


Quais os filmes que mais o impressionaram? 

"O Segredo das Jóias" ("The Asphalt Jungle"), de John Huston - diz o que quer, como quer. 


E mais? 

"Varieté", de Dupont. 


E mais? 

"...E o Vento Levou". É negócio de Michelangelo. 


E ainda mais? 

Todo Chaplin, inclusive "Luzes da Ribalta". Sou admirador de Vicente Celestino porque é chapliniano. Uma revisão crítica dele demonstrará isso. "O Ébrio", "Coração Materno" e aquela canção-tango maravilhosa, "eu ontem rasguei o teu retrato, ajoelhado aos pés de outra mulher..." é como Chaplin. Não é à toa que fez 70 anos de sucesso. 


Mais ainda? Filme histórico? 

"Maria Antonieta" ("Marie Antoniette"), pela Norma Shearer. 


E mais... 

As comédias antigas do Buster Keaton, do Harold Lloyd. Adoro bolo na cara do freguês. Todos os filmes de Rodolfo Valentino são momentos definitivos de minha memória cinematográfica. Era garoto de 13 anos e tive uma paixão intensa pela atriz de um de seus filmes (parece que o nome era Ellen Dalgy, mas Nelson não se recorda do título da fita). 


Continue... 

Gosto pra burro da opereta da Metro. Aliás, não só na tela, gosto de opereta de qualquer maneira, no disco, no palco. (Aqui, o entrevistador se lembra que, em matéria de ouvir músicas românticas de grande sucesso no cinema, ele e o entrevistado cultivam uma audição diária e cada vez mais sublime de composições como "Ramona", a valsa da "Viúva Alegre", "Ó Doce Mistério da Vida", "El Dia Que me Queiras".) 


Há tempos, em entrevista a "Cahiers du Cinéma", Lévy-Strauss disse que imaginava o grande cinema do futuro como a filmagem de óperas, em cores e tela imensa, atores bonitos dublados pelos melhores cantores. Concorda? 

Trata-se de uma idéia formidável. 


E, agora, vamos aos atores e atrizes. Qual a maior atriz? 

Greta Garbo. É a primeira atriz moderna do mundo, porque todas as outras são anteriores ao primeiro espartilho de Sarah Bernhardt. 


Qual o maior ator? 

Chaplin. Mas também é inesquecível a performance do Anthony Quinn naquele papel de "boxeur" decadente. (Trata-se de "Requiem para um Lutador", de Ralph Nelson.) É genial a voz que ele faz. 


Já assistiu, na tela, filmagem de alguma peça que ficasse tão boa quanto no original? 

Todo grande teatro inclui o elemento teatral e cinematográfico. Toda a grande peça pode dar um grande filme. Gostei de "Ricardo III" no cinema. 


E o que você acha de Orson Welles? 

Fiquei meio desiludido quando ele disse que não era um gênio. O sujeito que não se considera um gênio não deve se dedicar a fazer arte ou literatura. Então que faça filhos e, se já tem oito, que continue fazendo. Não consigo admirar "Cidadão Kane" - é um Pirandello muito suburbano. No "Boca de Ouro", em vez de uma única verdade de cada um, eu uso 700 mil verdades de cada um. No Orson Welles, eu gostei de "O Processo". Nunca vi uma platéia tão respeitosa porque não estava entendendo nada. 


E o Eisenstein? 

Vi "O Encouraçado Potemkim". Mas a gente acaba nunca sabendo se a obra de esquerda é boa ou o sujeito está sendo vítima de uma coação irresistível. 


Você, que é leitor incessante do Dostoievski, viu algum filme baseado nele? 

Gostei dos "Irmãos Karamazov", da Metro (direção de Richard Brooks). Claro, o cinema americano não consegue ser burro, seu "métier" e sua sabedoria impedem a burrice. 


Então, o "bang-bang"... 

Ainda não vi "bang-bang" ruim. E há os filmes de vampiro... Tenho nostalgia de filme de vampiro.


E o capa-e-espada? 

Qualquer filme de D’Artagnan é formidável. 


Dê um recado para produtores e diretores. 

É preciso restaurar o mau-gosto no cinema. 



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nelsonrodrigues.com.br.
Mail : contato@nelsonrodrigues.com.br
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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.