Entrevistas

Entrevista Nelson Rodrigues – Projeto os Mágicos


Nelson e o teatro

Desde os 14 anos eu sempre li tudo, até catálogo telefônico. Meu tempo estava absorvido pela leitura, mas nunca havia me interessado por teatro antes. Isso me  ajudou muito. Em A Mulher Sem Pecado, ia fazer uma chanchada. Mas a partir da 2ª página, ele tomou um movimento próprio e se transformou em um drama apaixonante, que fala da tristeza do ser humano.

Produzi Vestido de Noiva de caso pensado, queria que fosse um sucesso intelectual. A estrutura era complexa, não esperava bilheteria. Fiz em 6 dias. Não sabia o que a peça faria com minha vida, não sabia que ela me faria famoso. 

O fato de conhecer pouco teatro me deu uma incrível liberdade de escrever. O processo de ações simultâneas em tempos diferentes de Vestido de Noiva era algo que nunca tinha visto em minha vida. Todos me perguntavam: ´Como o sujeito pode ser e não é? Como um cadáver depois aparece em cena?´. Era um luxo técnico e foi difícil encontrar um diretor que comprasse a idéia. Mulher sem Pecado foi bom, mas a explosão de Vestido de Noiva  foi além do que eu podia prever. 

Ao fim do primeiro ato, ouvi pouquíssimas palmas, que concluí serem de parentes. No segundo ato, uma ou outra palma perdida. Nesse momento, já tinha assumido que a peça seria um fracasso. No final do terceiro ato, houve uma pausa estarrecedora e de repente uma explosão. Minha irmã Helena teve que me segurar para que eu não aparecesse diante dos gritos que clamavam ‘o autor, o autor’.

Achei todas as adaptações para o cinema magistrais. Estou fascinado por Dama do Lotação. Ele será um impacto muito grande, as pessoas se sentirão esmagadas. Eu creio que vai fazer sucesso até no Polo Norte. Esquimós subiriam pelas paredes ao vê-lo. Deixa o sujeito atônito diante das grandes verdades nem sempre ditas ou reveladas. É impossível ver Dama do Lotação de forma indiferente. A pessoa vai ver que o que melhora o ser humano é o sofrimento. Chorar é bonito. O ser humano precisa chorar. Eu acho isso lindo. Seria capaz de pagar uma mulher para vê-la chorando.


Nelson e o ser humano

O homem é triste porque vive e não porque morre. O sujeito precisa morrer para despertar.

Doença e morte sempre estiveram presentes em minha vida. O homem só não anda de quatro porque tem uma alma imortal. Eu, por exemplo, nem deveria estar aqui. Estive 15 dias em coma, passei pela guerra, sofri muito e só estou aqui porque Deus colocou a mão sob a minha cabeça. Foi uma ressurreição; eu voltei. Este voltar me deu um outro plano de vida. Ou melhor dizendo, de morte. E foi ele que me deu a certeza de que a alma é imortal.

O homem aos 70 anos é dado à Nostalgia do Nada. Saudade de vidas passadas e é aí que ele vai ter sua grande descoberta – que a alma é imortal. A partir dos 60 é uma luta corpo a corpo contra o tempo. Cada 15 minutos de vida é uma luta.

O homem é o ser mais obscuro, mais secundário, mais sem importância. Eu tinha vontade de fazer um romance chamado A Cidade, apenas sobre o Rio de Janeiro. Eram tempos diferentes, eu tinha apetite literário para fazer tal livro, mas não o fiz. Em compensação, fiz diversos folhetins de 600/800 páginas. A Engraçadinha foi um desses folhetins.


Nelson por ele mesmo

Muitas vezes, falo por meus personagens. Todas as minhas obras tem um pouco de mim. A piada é uma descoberta da língua não portuguesa, mas brasileira. Não tem em nenhum lugar do mundo. E me sinto feliz de poder fazer isso.

Descobri o cretino fundamental no futebol. Ele é aquele que não tem orgulho do seu país ter ganho 3 vezes no futebol. Tem brasileiro apenas escrito em seu passaporte. Em todo lugar tem esse tipo de pessoa. Mulheres traem homens porque eles são cretinos fundamentais. O adultério é uma vingança da mulher.

Eu fui um menino interessantíssimo. 7 aos 10 anos tive as maiores paixões de minha vida. Amei todas as professoras com ternura, sem sexo. Porque o sexo atrapalha o amor. Fui um péssimo adolescente e só despertei da infância aos 40 anos. É aí que passei a viver a vida, com todos seus valores. Consegui respeitar e realizar meus amores.

Encontrei a inspiração na própria vida e em mim mesmo. Minha inspiração é a soma de todas as vidas que tive, através de todas as eras, todas as idades.

Nunca viajo porque a partir do Méier sinto saudade do Brasil. Ninguém acredita. Eu só sei viver com minha língua e minha pátria. Sou um homem da minha rua. Quando vou muito longe me sinto um peixe fora d´água. Eu sou um brasileiro absoluto e não gosto de sair de Copacabana. Para quê atravessar oceanos e enfrentar perigos para falar outra língua que não gosta ou finge gostar. Para me criticar, tem que ser em português. A melhor maneira de ser universal é não sair do próprio bairro.




Contato
nelsonrodrigues.com.br.
Mail : contato@nelsonrodrigues.com.br
SIGA-NOS
Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.