Entrevistas

Depoimento Nelson Rodrigues


O que acha das adaptações de sua obra pelo cinema?

A palavra “adaptação” diz tudo. Se foi “adaptada” a obra literária passa a ser outra. Pelo mesmo motivo, não gosto de ser traduzido. “Traduzir” é ser falsificado. A peça que passa a ser filme vira a anti-peça. Assim, “Bonitinha, mas Ordinária”, “O Beijo no Asfalto”, “Boca de Ouro” e outras, quando transpostas para a tela, parecem-me uma caricatura de mim mesmo. Diga-se que o filme Boca de Ouro ainda é uma tentativa de teatro filmado.


Vê o cinema como arte autônoma, com uma linguagem específica? Ou como subproduto da literatura, do teatro e/ou outros meios de expressão?

Na minha opinião o cinema não chega a ser uma arte. Daqui a seis mil anos talvez o seja. Espero responder à pergunta quando o cinema completar sessenta séculos de existência. 


Até que ponto a linguagem do cinema influenciou a literatura e, em especial, a sua obra?

A pergunta deveria ser invertida. Até que ponto a literatura e outras artes influenciaram o cinema? Na minha obra, não percebi nenhuma influência cinematográfica.


Filmar uma história segundo um determinado processo equivale à repetição virtual de determinados processos afins da narração romanesca? Por exemplo: o “flash-back” cinematográfico lhe dá a mesma impressão do retorno cronológico no desenrolar de uma narração romancesca?

Exatamente. Os filmes que viu até hoje, servem-se de vários processos de narração romanesca. O flashback está neste caso.


Como vê a evolução da linguagem cinematográfica a partir da década de 40?

Desculpe, mas não vejo tal evolução. O cinema quando sai de 1920 passa a ser uma paródia cômica de si mesmo.


Se o cinema se apropriou de recursos da narrativa romancesca e depois os transformou a ponto de provocar uma ruptura com os processos tradicionais, tornou-se urgente a renovação do romance?

De uns tempos para cá, já li vários ensaios, em que se anuncia a morte do romance. Há uns dois anos, ou menos do que isso, uns rapazes anunciaram da escadaria do Municipal a morte da palavra etc. etc. A tal “urgente renovação do romance” não me parece necessária. O cinema é que, a meu ver, continua na pré-história.


A carência de boas histórias originais e de bons roteiros seria, como inúmeros observadores insinuam, o problema de maior gravidade do cinema brasileiro?

A meu ver, o problema mais grave do cinema brasileiro, é o diretor que se faz passar por inteligente e, não raro, por gênio. Daí o abismo que se cavou entre público brasileiro e seu cinema. Vendo alguns filmes nossos, por vezes, tenho vontade de gritar, como se o diretor estivesse na tela: “Seja burro pelo amor de Deus, seja burro”. Acredito que um pouco de burrice não faria mal a certos diretores.


Durante algum tempo considerou-se não cinematográfica a língua portuguesa. Julga que ainda há base para esta restrição ao nosso idioma?

A nossa língua tem sido uma boa desculpa para os que a assassinam. Mas na verdade é a grande inocente. Sem medo de ser acaciano, direi que se pode fazer obra-prima em qualquer língua viva ou morta.


Já pensou em realizar um filme? Se ainda não trabalhou em roteiro cinematográfico, pensou,  pelo menos em fazê-lo?

Daqui a seis mil anos e quando, então, o cinema for arte, talvez pense em fazer um filme ou, pelo menos, fazer um roteiro.


Como vê o futuro do cinema e o da literatura? 

A vantagem do romance é que depende de um leitor. Não importa o caso do “best seller” que é lido por um milhão de leitores. Mas o leitor existe individualmente. Ao passo que o mesmo filme é visto, ao mesmo tempo, por milhares. Não há a hipótese da solidão que se fecha em torno do leitor e do romance. Justamente por ser um solitário, o leitor é sempre mais inteligente. Não sei se me entende: mas quando o homem se faz grupo, multidão, maioria, unanimidade, como acontece no cinema, torna-se um idiota no meio de idiotas. Não estarei insinuando nenhuma novidade se afirmar que nunca houve uma multidão inteligente.



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.