Críticas

Um conto breve esticado além da conta


Certas obras nascem para serem curtas, pois é precisamente a limitada extensão que lhes confere grandeza artística. Por exemplo: se Thomas Mann tivesse escrito sua "Morte em Veneza" com as dimensões de "A Montanha Mágica", muito provavelmente o resultado seria apenas um enfadonho romance sobre a decadência de um artista, e não aquela obra prima literária. Independente do maior ou menor mérito da obra, tal constatação diz respeito à própria estrutura da narrativa de ficção - sendo aplicável, assim, à produção de escritores os mais diversos. Na sua forma original, "A Dama do Lotação" de Nelson Rodrigues é um miniconto cuja leitura não toma mais de 5 minutos. É o que basta. Em tão breve tempo, Nelson Rodrigues diz tudo o que tem a dizer sobre o tema. Sucinta, plena de tensão dramática e humor macabro, a narrativa aguça a imaginação do leitor. Transposta para a tela como um longa-metragem de quase duas horas, "A Dama do Lotação" perdeu quase todas as virtudes originais, ganhando, muito pouco em troca. Tudo o que antes permanecia no plano da sugestão surge agora grifado e sublinhado de modo irritante, numa enxurrada de efeitos óbvios. Sobram cenas de sexo, é verdade, mas tantas e tão insistentes que parecem recolhidas dos devaneios de algum adolescente reprimido. Nelas, o importante está na quantidade e não na qualidade da experiência. Resultado: mal começa o segundo adultério de Solange (Sônia Braga), a dama do lotação do título - e na história ocorrem pelo menos mais cinco -, o espectador já sabe tudo o que vai acontecer no resto do filme. Pior: como vai acontecer. Como recompensa pelos cansativos exercícios eróticos que executa diante das câmeras com variados parceiros, desde o atlético Nuno Leal Maia (seu marido) ao adiposo Washington Fernandes (com quem se entrelaça num cemitério), não há dúvida de que Sônia Braga mereceria um prêmio. Categoria desinibição, bem entendido. Quanto ao resto, consegue apenas deixar saudades de sua ótima Dona Flor.



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Sobre

Nelson Falcão Rodrigues nasceu no Recife, em 23 de agosto de 1912, o quinto filho de uma família de catorze. Quando tinha três anos, seu pai, Mário Rodrigues, foi tentar a sorte no Rio de Janeiro, capital da República. O combinado era que tão logo encontrasse trabalho, chamava a família para ir a seu encontro. Maria Esther, sua esposa, não agüentou esperar. Em 1916, empenhou as jóias e mandou um telegrama para o marido, já avisando do embarque naquele mesmo dia. Nelson conta, nas "Memórias" publicadas no "Correio da Manhã", que se não fosse a atitude da mãe, o pai jamais teria permanecido no Rio.